Um exemplo de Cidadania.
Os cidadãos da Islândia referendaram, ontem, com cerca de 70%
dos votos, o texto básico de sua nova Constituição, redigido por 25 delegados,
quase todos homens comuns, escolhidos pelo voto direto da população, incluindo
a estatização de seus recursos naturais.
A Islândia é um desses enigmas da História.
Situada em uma área aquecida pela Corrente do Golfo, que
serpenteia no Atlântico Norte, a ilha, de 103.000 qm2, só é ocupada em seu
litoral. O interior, de montes elevados, com 200 vulcões em atividade, é inteiramente
hostil – mas se trata de uma das mais antigas democracias do mundo, com seu
parlamento (Althingi) funcionando há mais de mil anos.
Mesmo sob a soberania da Noruega e da Dinamarca, até o fim do
século 19, os islandeses sempre mantiveram confortável autonomia em seus
assuntos internos.
Em 2003, sob a pressão neoliberal, a Islândia privatizou o
seu sistema bancário, até então estatal. Como lhes conviesse, os grandes bancos
norte-americanos e ingleses, que já operavam no mercado derivativo, na espiral das
subprimes, transformaram Reykjavik em um grande centro financeiro internacional
e uma das maiores vítimas do neoliberalismo.
Com apenas 320.000 habitantes, a ilha se tornou um cômodo
paraíso fiscal para os grandes bancos.
Instituições como o Lehman Brothers usavam o crédito
internacional do país a fim de atrair investimentos europeus, sobretudo
britânicos. Esse dinheiro era aplicado na ciranda financeira, comandada pelos
bancos norte-americanos.
A quebra do Lehman Brothers expôs a Islândia que assumiu,
assim, dívida superior a dez vezes o seu produto interno bruto.
O governo foi obrigado a reestatizar os seus três bancos,
cujos executivos foram processados e alguns condenados à prisão.
A fim de fazer frente ao imenso débito, o governo decidiu que
cada um dos islandeses – de todas as idades - pagaria 130 euros mensais durante
15 anos.
O povo exigiu um referendum e, com 93% dos votos, decidiu não
pagar dívida que era responsabilidade do sistema financeiro internacional, a
partir de Wall Street e da City de Londres.
A dívida externa do país, construída pela irresponsabilidade
dos bancos associados às maiores instituições financeiras mundiais, levou a
nação à insolvência e os islandeses ao desespero.
A crise se tornou política, com a decisão de seu povo de
mudar tudo.
Uma assembleia popular, reunida espontaneamente, decidiu
eleger corpo constituinte de 25 cidadãos, que não tivessem qualquer atividade
partidária, a fim de redigir a Carta Constitucional do país. Para candidatar-se
ao corpo legislativo bastava a indicação de 30 pessoas.
Houve 500 candidatos.
Os escolhidos ouviram a população adulta, que se manifestou
via internet, com sugestões para o texto. O governo encampou a iniciativa e oficializou
a comissão, ao submeter o documento ao referendum realizado ontem.
Ao ser aprovado ontem, por mais de dois terços da população,
o texto constitucional deverá ser ratificado pelo Parlamento.
Embora a Islândia seja uma nação pequena, distante da Europa
e da América, e com a economia dependente dos mercados externos (exporta
peixes, principalmente o bacalhau), seu exemplo pode servir aos outros povos,
sufocados pela irracionalidade da ditadura financeira.
Durante estes poucos anos, nos quais os islandeses resistiram
contra o acosso dos grandes bancos internacionais, os meios de comunicação
internacional fizeram conveniente silêncio sobre o que vem ocorrendo em
Reykjavik.
É eloqüente sinal de que os islandeses podem estar abrindo
caminho a uma pacífica revolução mundial dos povos.
Quando será que os excluídos no mundo se darão as mãos para
derrubar esse sistema que a todos já provou ser prejudicial? E o Brasil?
E por falar em Brasil...
O que falar de nosso PIB e de nosso crescimento?
A diferença de comportamento do Brasil e da China quanto à
conduta perante a crise financeira internacional ilustra bem as distintas
estratégias a respeito de modelos de crescimento e desenvolvimento econômicos.
Desnecessário ressaltar que nem todas as estratégias são possíveis,
em especial na comparação entre países tão distintos.
De qualquer forma, o Brasil parece ter engatinhado ao longo
das últimas décadas, enquanto a China alcançou níveis até então inimagináveis
de crescimento de seu PIB.
Se tomarmos o início dos anos 1980 como base de comparação, a
economia chinesa cresceu a uma taxa média anual de 10%. Assim, caso seu PIB
fosse igual a hipotéticos $100 em 1980, hoje seria equivalente a $2.100.
Ou seja, o valor do produto foi multiplicado 21 vezes ao
longo dos 32 anos. Já a economia brasileira conheceu um crescimento médio anual
em torno de 3%. Portanto, caso seu PIB fosse também igual aos mesmos
hipotéticos $100 lá em 1980, hoje seria equivalente a $257 – um crescimento de
apenas 2,5 vezes ao longo do mesmo período.
Essa simulação nos informa que a economia chinesa cresceu
mais de 8 vezes do que a economia a economia brasileira.
Esse diferencial de taxa de crescimento está na base da
explicação das distintas posições relativas ocupadas pelos 2 países na lista de
países por ordem de magnitude PIB.
Em 1982, por exemplo, o Brasil era a oitava economia e a
China aparecia como a décima-primeira do mundo.
Hoje, a China é a segunda economia (atrás apenas dos Estados
Unidos), enquanto o Brasil ocupa a sexta posição.
No entanto, para além da simples taxa de crescimento do PIB
de um país, é importante que se verifiquem outros atributos.
E não vamos aqui nem introduzir a crítica a respeito da
metodologia de cálculo do Produto Interno e nem as necessárias ponderações para
os elementos de desenvolvimento humano, desigualdade entre setores da
sociedade, concentração de renda e sustentabilidade socioambiental do modelo.
Trata-se tão somente de analisar quais são os chamados
“componentes” do PIB que estão sendo os mais dinâmicos e responsáveis pelo
crescimento atingido.
Uma primeira maneira de efetuar tal análise é verificar se o
estímulo à atividade econômica está se realizando mais pelo lado do consumo de
bens e serviços ou pelo aumento dos níveis de investimento do país.
Outro recorte possível é comparar o crescimento geral da
economia entre os diferentes segmentos da atividade, segundo mercadorias
importadas ou produzidas internamente.
Também é interessante verificar o que ocorre de acordo com a
tradicional divisão de setores:
- Primário (agricultura e recursos minerais);
- Ecundário (indústria); e
- Terciário (comércio e serviços).
No caso específico desse artigo, a intenção é verificar as
diferenças entre a opção de puxar o crescimento pelo lado do estímulo ao
consumo, em sua comparação com o incentivo às atividades vinculadas ao aumento
do investimento.
E aqui também sob essa perspectiva, nota-se uma grande
diferença entre os modelos adotados pelo Brasil e pela China.
Ao longo dos últimos anos, a China tem apresentado uma
elevada participação do investimento no total do PIB. Assim, a chamada “taxa de
investimento” do gigante asiático tem apresentado a impressionante média de
48%.
O caso brasileiro é bastante distinto: nossa participação do
total de investimento no Produto revela uma média histórica recente de apenas
18%.
Ora, essa discrepância entre as duas medidas é a expressão de
duas estratégias diferentes para orientar o crescimento e o desenvolvimento
econômicos.
A sustentação de algum modelo de crescimento no tempo exige
algumas pré-condições básicas.
E vejam que nem se trata de algo mais sofisticado, do tipo
incluir um desenvolvimento social e ambientalmente sustentável.
Não, imagine apenas um padrão de crescimento que se mantenha
por um determinado período, em um arranjo econômico minimamente equilibrado.
Desse ponto de vista, a opção por um modelo baseado
essencialmente no consumo não se apresenta como estratégia viável ou coerente a
longo prazo.
Isso porque essa alternativa (a prioridade ao consumo)
implica a dependência de manter e elevar a participação dos produtos importados
no total dos bens consumidos.
Essa tendência se deve ao fato de que o conjunto de bens de
capital e infraestrutura existente em um país sofre permanente processo de
depreciação e necessita contínua substituição, acompanhada de um aumento da
capacidade instalada em novos patamares tecnológicos.
Caso não se mantenha um ritmo adequado dos investimentos, o
desequilíbrio em favor de um viés consumista termina por comprometer o modelo
logo ali na frente.
De que adianta estimular o consumo frenético de automóveis se
a indústria automobilística não investe em parques mais modernos, com
tecnologia de ponta?
Ou se o país não oferece uma infraestrutura urbana ou de
rodovias compatível?
Ou se o conjunto do sistema educacional e de ciência &
tecnologia não pesquisa alternativas de modelos de transporte que representem a
substituição dessa opção que já se apresenta como inviável nos dias de hoje?
Saindo de um foco setorial e pensando no conjunto da
economia, a incapacidade de oferecer investimentos em infraestrutura implica o
risco de o país bater nos chamados “gargalos” de transportes, comunicações,
energia.
Isso sem mencionar os problemas derivados das deficiências
nas áreas sociais, como saúde, educação, previdência social e ciência e
tecnologia.
O estímulo focado no exagero do consumismo concentra os
recursos financeiros, monetários e creditícios apenas na ponta do modelo: a
compra final de bens e serviços.
Com isso, as necessidades de elevar a capacidade de
investimento para trás (na escala produtiva) e para frente (no tempo) ficam
comprometidas.
Dessa forma, em algum momento o conjunto dos atores econômicos
sentirá a carência de infraestrutura, com problemas de risco de “apagão”,
aumento de custos por atraso tecnológico e perda de competitividade por
eficiência nas redes de suporte à atividade produtiva.
Ora, mas então, se é reconhecida essa necessidade de
harmonizar o investimento com o consumo, por que os países não conseguem lograr
uma situação de equilíbrio e segurança nesse quesito?
Justamente pelo fato de que a economia não é uma ciência
exata e que seus elementos fundadores são determinados na luta política e na
disputa de interesses dos agentes econômicos.
Os analistas liberais mais fundamentalistas ainda acreditam
que tudo isso deve ser deixado à livre acomodação das forças de oferta e demanda
– a velha crença nos superpoderes do mercado.
Já os liberais mais pragmáticos, em especial nos momentos de
crise, acreditam ser mais inteligente chamar o Estado a dar sua contribuição
como agente regulador e regulamentador nesse quesito, de maneira a assegurar
que a infraestrutura necessária seja efetivamente viabilizada.
Mas de toda a maneira, o fato é que os recursos de
investimento precisam aparecer, eles devem estar disponíveis para se
concretizar na ampliação da capacidade produtiva e econômica do país.
No caso brasileiro, vira e mexe surge a polêmica a respeito
da nossa suposta baixa capacidade de poupança.
E essa constatação vem associada à ideia de que haveria uma
precedência cronológica da poupança em relação ao investimento.
O ponto é que para uma parcela importante dos economistas,
não faz sentido raciocinar para o fenômeno macroeconômico da maneira como
pensamos para o comportamento dos indivíduos ou das famílias.
O senso comum e os comentaristas das colunas “suas finanças”
dos grandes meios de comunicação insistem na tecla de que é necessário poupar
antes para que esse recurso se transforme em investimento.
Mas para a escala de um país, as variáveis operam segundo
outra lógica e obedecem a outra dinâmica.
O importante é tomar a decisão de investir, pois a partir
desse momento a complexidade de relações entre a economia e a sociedade termina
por criar as condições para drenar recursos para o investimento agregado.
A dificuldade tupiniquim nesse quesito sempre esteve mais
associada ao estímulo ao financismo e à carência crônica de necessidades
básicas por parte da maioria da população.
Dessa forma, os recursos disponíveis para aumentar o nível de
investimento eram drenados para a atividade parasita do circuito financeiro, em
busca da remuneração elevada no curto prazo.
E esse modelo era assegurado pelo próprio governo, por meio
da política monetária de juros oficiais estratosféricos.
Na outra ponta, a profunda desigualdade de renda e o nível de
sobrevivência a que historicamente esteve submetida a grande maioria de nosso
povo não contribuíam para uma mentalidade poupadora no plano individual ou
familiar.
Finalmente, as décadas de convivência com elevadas taxas de
inflação e as experiências negativas com os planos de estabilização econômica
anteriores ao Plano Real colaboraram também para a baixa credibilidade dos
mecanismos de poupança de longo prazo.
A intenção não é que se adote o modelo chinês como
referência.
Inclusive porque ele apresenta um conjunto de problemas, a
exemplo da manutenção de uma taxa de investimento em relação ao PIB muito
elevada, talvez até mesmo em excesso. Sim, pois por mais contraditório que
possa parecer, essa condição não é a melhor para um país no longo prazo.
Para a China, num primeiro momento, foi importante manter
taxas de investimento do PIB em torno de 50%. Foi o instrumento encontrado para
conseguir recuperar o “atraso” em relação às grandes potências e dar o grande
salto à frente – transitar do modelo baseado na agricultura e avançar rumo à
industrialização.
Porém, a continuidade desse tipo de repartição entre
investimento e consumo pode criar um fenômeno associado à baixa utilização da
capacidade instalada. Naquele país, como investimento em infraestrutura ainda é
capitaneado pelo Estado, esse problema não adquire as repercussões de um modelo
em que os parques de transportes, comunicações e energia sejam operados ou de
propriedade do setor privado.
No caso, uma eventual baixa na taxa de retorno esperado, pode
significar redução na oferta de infraestrutura. E isso sinaliza uma porta de
entrada para uma conjuntura de recessão.
Assim, toda a ciência e a arte estão em encontrar pontos mais
adequados para a taxa de investimento em relação ao PIB.
No nosso caso, com certeza algo bem acima da média histórica
dos 18%, sem precisar chegar no exagero chinês dos 50%.
Mas de qualquer, a contribuição do Estado é fundamental para
se alcançar essa elevação tão necessária, por meio das políticas públicas e do
estímulo às atividades umbilicalmente ligadas ao investimento.
Esperar tão somente pelo “espírito animal” do empresariado
não tem se revelado como estratégia eficiente para alcançar essa meta.
Sobre liberdade de
expressão e o que comemos.
Frei Gilvander Luís Moreira, padre da Ordem dos Carmelitas,
militante dos direitos humanos, assessor da Comissão Pastoral da Terra,
conselheiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos/MG – apoiador e
articulador dos movimentos sociais populares.
Dentre os diversos trabalhos que vem realizando em Minas
Gerais na defesa dos pobres e, sobretudo da vida com dignidade, divulgou no em
seu site (Galeria de vídeos) um vídeo que denuncia o excesso de veneno em
feijão no município de Unaí, Noroeste de Minas Gerais, Brasil.
Frei Gilvander escutou a denúncia e colheu algumas
informações de usuários da marca Feijão Unaí utilizando-se do direito da livre
manifestação, do direito a informação, atendeu ao apelo da Campanha da
Fraternidade 2011: “Fraternidade e Saúde Pública”, da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil – CNBB.
É de conhecimento público que o uso indiscriminado de agrotóxicos,
no meio popular rural chamado de veneno, se tornou objeto de inúmeras
reportagens, pesquisas científicas e documentários, tendo causado grandes
problemas para a saúde de muita gente, inclusive com comprovação científica de
ser uma das causas do vertiginoso número de pessoas com câncer no Brasil.
O Filme-Documentário O VENENO ESTÁ NA MESA, do cineasta
Sílvio Tendler, também disponibilizado na internet, no youtube, é bem ilucidativo.
A matéria do vídeo divulgado traz uma grande preocupação com
a saúde das pessoas que vivem na região de Unaí pelo excesso de utilização de
veneno nos alimentos, entre os quais, o feijão.
O vídeo fala do feijão que foi enviado para a merenda escolar
de uma determinada escola e que as cozinheiras ao iniciaram o preparo do feijão
não suportaram o mau cheiro e os sinais de veneno contidos no feijão, chegando,
inclusive a passarem mal.
Que este processo vem se repetindo, chegando ao ponto de até
já ter que jogar o feijão fora e que este feijão tem a marca “feijão Unaí”.
Um Relatório da Câmara dos Deputados afirma que A incidência
de câncer em regiões produtoras de Minas Gerais, que usam intensamente
agrotóxicos em patamares bem acima das médias nacional e mundial, sugere uma
relação estreita entre essa moléstia e a presença de agrotóxico.
Em Minas Gerais , justamente na cidade de Unaí, está sendo
construído um Hospital do Câncer, pela malsinada ocorrência volumosa desta
doença na região Noroeste de Minas Gerais.
Segundo os dados apresentados na Consulta Pública que foi
realizada em UNAÍ pela Comissão Parlamentar, revelaram no documento da CAMARA
FEDERAL, que já estão ocorrendo cerca de 1.260 casos/ano/100.000 por habitantes,
de câncer.
A média mundial não ultrapassa 400 casos/ano/100.000 pessoas.
Ou seja, se não houver uma redução drástica no uso de agrotóxico, daqui a 10
anos, poderá ter na região noroeste atendidos na cidade de Unaí, mais de 12.600
pessoas com câncer, sem contar o grande número de pessoas que já contraíram
essa moléstia grave.
Nesse sentido, se observar bem a narrativa do vídeo
apresentado por Frei Gilvander, há apenas depoimentos de consumidores da marca
Feijão Unaí revelando o mau cheiro no feijão característico de uso de
agrotóxicos.
Não há uma narrativa de cunho difamatório, senão apenas
informativa em que pessoas dizem sua opinião e o que pensam sobre o dito
feijão.
Porque foi dito isso na entrevista e apresentada a marca do
feijão, a Empresa responsável/proprietária do Feijão Unaí não só processou o
Frei Gilvander e os responsáveis do Google e Yootube, como o juiz de Unaí, do
Juizado Especial Cível, responsável pelo processo, decretou a prisão preventiva
de Frei Gilvander, caso não seja retirado o vídeo da internet dentro de cinco
dias.
O Estado democrático de direito em que vivemos nos garante o
direito de livre expressão e de informação, assim como o sagrado direito a
saúde.
Um vídeo como este que pretende alertar as pessoas para o
cuidado com o veneno nos alimentos, chegou ao cúmulo de se transformar em um
processo no qual a empresa alega ter sofrido “danos materiais” e “danos
morais”, de haver sido vítima de “difamação” e para completar, o juiz cível
decreta a prisão do frei e dos diretores do Google e do youtube, que,
inclusive, já apresentaram defesa dizendo que no vídeo não tem nada de ilícito,
que o vídeo se trata de reportagem, de informação, o que está assegurado pelas
leis brasileiras.
Por isso o Youtube nem frei Gilvander não retiraram o vídeo
do ar.
Falar a verdade é proibido? Já não chega o que nos colocam
como opção para alimentação?
Quem deveria ser punido e preso?
Estamos confundindo tudo.
E por falar em
Justiça...
Quando Ramatis Jacino, em seu belo texto "O Sonho do
Ministro Joaquim Barbosa" assegurou-nos que o conjunto de organizações
sindicais, populares e partidárias, além das elaborações teóricas classificadas
como 'de esquerda', [são] os aliados naturais dos homens e mulheres negros e dos
excluídos deste país, na sua luta contra o racismo, a discriminação e a marginalização
a que foram relegados também recorreu a versos de Solano Trindade, para
reafirmar que acima de tudo é a solidariedade dos que optaram pelos pobres que lhes
norteia a construção de dignidades, os seus indignares frente à exclusão social;
As suas inconformações
com toda forma de injustiça ou, como dizia Bobbio, as suas indestrutíveis
considerações de que se trata mesmo de uma aberração a desigualdade lhe concede
destaque ímpar na cena mundial.
“Vai, Joaquim Barbosa! ser 'gauche' na vida”, poderia ter-lhe
dito Drummond.
Tudo porque, como escreveu Cynara Menezes na Carta Capital,
"ser de esquerda é não roubar nem deixar roubar", mas também "é
ser contra a exploração do homem pelo homem e de países por outros países;
É ser a favor da igualdade entre raças e gêneros; do Estado
laico;
É ser contra o preconceito e a intolerância;
É ser a favor da natureza; de que o povo coma bem e direito;
da justiça social;
É ser a favor de uma nova política para drogas e aborto; da
reforma agrária; da moradia, da educação e da saúde de qualidade para todos.
Ser de esquerda é ser um defensor incorruptível da paz, da
democracia e da liberdade.
E ser de esquerda é, sim, dar menos importância ao dinheiro e
mais à felicidade.
E, como ele veria, se porventura sonhasse o sonho de
Drummond, que isso é muito mais do que roubar, "não roubar, nem deixar
roubar", justo aquilo do que ele mais acusa José Dirceu, não de ser um
homem de esquerda, dotado de todas aquelas virtudes, mas tão somente um reles
chefe de uma quadrilha de ladrões.
Fiquei feliz com as dezenas de comentários supimpas nas
páginas do facebook. Não só porque os internautas puseram o píngo nos is, mas
porque permitirá, quem sabe, que o Ministro Barbosa perceba que só lhe é
permitido estar presente nas capas e espaços que os Marinhos, os Civitas, os
Frias e os Mesquitas lhes emprestam, essas quatro grandes famílias da nossa
imprensa GAFE (Globo/Abril/Folha/Estadão).
Tal e qual esses pobres diabos que em fins de carreira
trocaram suas dignidades de rebeldes de esquerda que foram na juventude, com os
donos do poder e dos meios de comunicação por algum espaço para escrever ou
deitar falação sempre anti-PT, Lula ou Dilma, antiesquerda como exigem seus
patrões, nas rádios e emissoras de TV empresariais para que assim lhes sejam
assegurados a sobrevivência dos decadentes.
Fico então mais à vontade pra condimentar este pronunciamento,
pois, recuando algumas décadas, arrisco a dizer que é bem possível que o
Ministro Barbosa tenha sabido que "com Richard Nixon e as ordens
executivas do 'black capitalism', delineou-se uma família de políticas raciais
destinadas a propiciar o surgimento de uma elite negra no mundo
empresarial" norte-americano e, naturalmente e por conta própria, tenha
aventado a hipótese disso merecer um prolongamento até o sofisticado universo
do supremo judiciário brasileiro.
Tanto lá, como cá "a elite negra que emergiria a partir
dos estímulos do poder público - nesse quesito Lula até que deu uma mãozinha -
cumpriria a função de um agente da ordem, contribuindo para a estabilidade
social e política.
Se para o governo americano, a estratégia cumpriria a
finalidade de amortecer o descontentamento gerado pelas profundas desigualdades
econômicas, numa sociedade em que não era fácil distinguir classes sociais de
grupos raciais" no Brasil, anos mais tarde, o ex-prefeito negro de São
Paulo, Celso Pitta, demonstraria na prática que o furo é bem mais embaixo.
Custo a crer que Barbosa não tenha lido "Uma Gota de
Sangue", onde Demétrio Magnoli - um dos ex-comunistas que aderiu à direita
midiática com a fúria dos derrotados -, disse isso tudo e ainda assegurou pra
quem quisesse ouvir, que a pobreza, tem sim uma cor, mas que aos
"talentosos 10%", é-lhes destinado salvar "a raça negra, como
todas as raças, por homens excepcionais."
Joaquim foi muito pobre, mas certamente se considera
talentoso e, por conseguinte um homem excepcional, fruto inconteste do melhor
desta raça, que pode guiar a massa para longe da contaminação e morte,
provenientes da ralé na sua própria e em outras raças.
E porque, logo ele, foi dar ouvidos a Magnoli e não pensar
nessas "outras raças" como sendo todo o povo brasileiro, posto agora
nesse alvorecer em que a moralidade da revista Veja se apresenta como sendo a
bandeira a qual Barbosa devesse desfraldar para que ele apareça sempre na capa
entre fogos de artifício, sorrindo a encantar a titubeante classe média
brasileira, seus leitores, com vistas as eleições de 2014?
No entanto, nesse jogo brutal, o que é sensato o Ministro
Joaquim Barbosa entender, desde já, é que além da resistência aos processos
desumanizadores do racismo ser, de longe, a maior contribuição dos negros à
cultura brasileira, é, agora, ele também ter a consciência nítida de que
"as elites brasileiras sempre utilizaram indivíduos ou grupos, oriundos
dos segmentos oprimidos para reprimir os demais e mantê-los sob controle",
como escreveu Jacino.
E sem refrescar alerta: "A tragédia, para estes
indivíduos – de ontem e de hoje -, se estabelece quando, depois de cumprida a
função para a qual foram cooptados são devolvidos à mesma exclusão e
subalternidade social dos seus irmãos."
Assim, diria eu ao ilustre Juiz e Ministro Barbosa, por
razões óbvias, fazer parte do jogo da burguesia não têm o condão de alterar o
panorama de exclusão que se verifica até o instante em que as elites brancas
admitem que um "talentoso 10%" pode lhes ser útil, mas que,
certamente não passará disso.
Daí em diante o que volta a prevalecer é a consciência e a
realidade dos excluídos, tanto os que o são pela cor da pele quanto pela cor da
pobreza.
Na verdade, e isso é o mais importante, o que deveria ser uma
consciência de todos nós, uma bandeira da nossa identidade brasileira, talvez
quem sabe - ou seria pedir muito? -, um outro sonho para Joaquim Barbosa, até
um prenúncio de uma reordenação da nossa realidade social, daquela que até
então permanece gravada de forma cruel na história do povo brasileiro.
Um sonho, uma consciência e uma bandeira que não devem servir
pra que se consagre apenas como a história particular de um talentoso juiz
negro alçado a Ministro do Supremo Tribunal Federal que a Família GAFE da
Imprensa guindou ao altar da fama, mas de todo um povo que não merece que a
vaidade dele ponha tudo a perder, justamente por ter-lhe faltado um talento a
mais, aquele que Magnoli escamoteou, mas que é justamente o decisivo, o que
seria capaz de fazê-lo perceber, sem ter que esfregar muito os olhos, o que
exatamente está em jogo, o que vale e o que não vale na mesa do capital, seja
ele "black ou white", quando se trata de manter a hegemonia socioeconômica
de uma elite tupiniquim a qual ele não pertence e que, por tantos motivos, como
sabemos, deve ser posta abaixo.
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