segunda-feira, 30 de setembro de 2013
Segunda-Feira na CULTURAonline BRASIL
Programa: Ponto Final
Hoje 20 horas.
Porque bloquear o Leilão de Libra.
Fique por dentro.
Paulo Metri, Fernando Siqueira e Senador Requião
Nos explicam o porque não podemos entregar o nosso passaport para o futuro para as BIG-OIL Internacionais. A pressão dos Americanos em cima de nossa maior riqueza.
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domingo, 29 de setembro de 2013
sábado, 28 de setembro de 2013
Sabadão na CULTURAonline BRASIL
Links:
18 horas
Programa "Cronicas e Notícias"
Apresentação: Filipe de Sousa
Comentários: Alex Prado
20 horas
Programa "Um cantinho e um violão"
As musicas mais tocadas em nossos barzinhos.
Aproveite e ouça um pouco da melhor mjusica Brasileira.
Porque... Navegar é preciso então que seja com música!
sexta-feira, 27 de setembro de 2013
Sexta-Feira na CULTURAonline BRASIL
20 horas (excepcionalemente neste horário)
Programa: Conexão Brasil
Apresentação: Filipe de Sousa
Temas de hoje:
- Como se desencadeou a Crise Financeira Americana que começou em 2007;
- Como foi o contágio da Crise na União Europeia.
- A Síria e a Crise de Credibilidade do Governo Amnericano.
Esperamos vocês!
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Programa: Conexão Brasil
Apresentação: Filipe de Sousa
Temas de hoje:
- Como se desencadeou a Crise Financeira Americana que começou em 2007;
- Como foi o contágio da Crise na União Europeia.
- A Síria e a Crise de Credibilidade do Governo Amnericano.
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Quinta-Feira na CULTURAonline BRASIL
Hoje. 26 de Setembro não levamos ao ar os programas:
- Tribunal Popular > Estúdio 5 - Rio de janeiro
Problemas de conexão com a Internet;
- Educar também é progresso
Estúdio 4 - Aracajú - SE
Problemas de saúde do apresentador
Apresentamos as nossas mais sinceras desculpas.
Estaremos providenciando programas estepe para o caso de novas ocorrências.
- Tribunal Popular > Estúdio 5 - Rio de janeiro
Problemas de conexão com a Internet;
- Educar também é progresso
Estúdio 4 - Aracajú - SE
Problemas de saúde do apresentador
Apresentamos as nossas mais sinceras desculpas.
Estaremos providenciando programas estepe para o caso de novas ocorrências.
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
Quarta-Feira na CULTURAonline BRASIL
20 horas
Excepcionalemete estaremos transmitindo hoje uma palestra por trata de um assunto importante para análise. e reflexão.
- O que na história e no cotidiano do Brasil nos leva ao ódio e à violência? É possível sempre “amar o povo” (entendido como uma “multidão”), mesmo sendo invasivo, grosseiro, violento em suas manifestações históricas? Índio, negro e europeu: a “alma brasileira” detesta a si mesma? Apenas a fome leva o homem ao gosto pelo mal?
Esperamos vocês!
LINKs:
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Excepcionalemete estaremos transmitindo hoje uma palestra por trata de um assunto importante para análise. e reflexão.
- O que na história e no cotidiano do Brasil nos leva ao ódio e à violência? É possível sempre “amar o povo” (entendido como uma “multidão”), mesmo sendo invasivo, grosseiro, violento em suas manifestações históricas? Índio, negro e europeu: a “alma brasileira” detesta a si mesma? Apenas a fome leva o homem ao gosto pelo mal?
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terça-feira, 24 de setembro de 2013
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Segunda-Feira na CULTURAonline BRASIL
20 horas
Programa: Ponto Final
Hoje falando sobre "Leilão de Libra e Pré-Sal"
NAO ESQUECER QUE PETROLEO É UM RECURSO NAO RENOVAVEL E ESTRATEGICO .... os EUA nao vendem pois so pensam no proprio bem-estar, CLARO ......
Apresentação: Filipe de Sousa
Programa: Ponto Final
Hoje falando sobre "Leilão de Libra e Pré-Sal"
NAO ESQUECER QUE PETROLEO É UM RECURSO NAO RENOVAVEL E ESTRATEGICO .... os EUA nao vendem pois so pensam no proprio bem-estar, CLARO ......
A Petrobras nem o Brasil vao ser ressarcidos de nada apenas vao receber uma merreca do total que poderiam receber .... talvez algum politico receba alguma mixaria "por fora "" tambem ...
NENHUM país soberano, independente, leiloa petróleo já descoberto. Aliás, Woodrow Wilson, ex-presidente dos EUA dizia: “A Nação que possui petróleo em seu subsolo e o entrega a outro país para explorar não zela pelo seu futuro”.
Apresentação: Filipe de Sousa
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Vamos junto?
domingo, 22 de setembro de 2013
Domingo na CULTURAonline BRASIL
18 horas
Programa: E agora José
Discutindo a Educação.
Apresentação: Profs.: Omar de Camargo e Ivan Claudio Guedes
20 horas
Programa: Noites de Domingo
Autoconhecimento
Apresentação: Jornalista Filipe de Sousa
20 horas
Programa: Roberto carlos Especial
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Programa: E agora José
Discutindo a Educação.
Apresentação: Profs.: Omar de Camargo e Ivan Claudio Guedes
20 horas
Programa: Noites de Domingo
Autoconhecimento
Apresentação: Jornalista Filipe de Sousa
20 horas
Programa: Roberto carlos Especial
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sábado, 21 de setembro de 2013
Sabadão na CULTURAonline BRASIL
18 horas
Programa: Crônicas e Notícias
Apresentação: Fiulipe de Sousa, Comentários de Alex Prado
20 horas
Sábado Especial
Tema: Musica Brasileira de raiz
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Programa: Crônicas e Notícias
Apresentação: Fiulipe de Sousa, Comentários de Alex Prado
20 horas
Sábado Especial
Tema: Musica Brasileira de raiz
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sexta-feira, 20 de setembro de 2013
Sexta-Feira na CULTURAonline BRASIL
18 horas
Programa: Conexão Brasil
Apresentação: Filipe de Sousa
LUSOFONIA
Neste contexto, tanto a língua como a memória histórica aparecem imbuídas de um alcance susceptível de suportar a definição de uma aparente unidade; uma unidade não menos paradoxal e contraditória, tendo em conta a dispersão territorial e continental dos vários espaços que preenchem a geografia da designada comunidade lusófona e as especificidades sócio-culturais e os contextos sociolinguísticos intrínsecos à historicidade que caracteriza a formação identitária de cada um desses espaços.
Este vai ser o tema do nosso programa de hoje Conexão Brasil.
18 horas
Apresentação: Filipe de Sousa
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Programa: Conexão Brasil
Apresentação: Filipe de Sousa
LUSOFONIA
Neste contexto, tanto a língua como a memória histórica aparecem imbuídas de um alcance susceptível de suportar a definição de uma aparente unidade; uma unidade não menos paradoxal e contraditória, tendo em conta a dispersão territorial e continental dos vários espaços que preenchem a geografia da designada comunidade lusófona e as especificidades sócio-culturais e os contextos sociolinguísticos intrínsecos à historicidade que caracteriza a formação identitária de cada um desses espaços.
Este vai ser o tema do nosso programa de hoje Conexão Brasil.
18 horas
Apresentação: Filipe de Sousa
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Texto de Vitor Barros
Mestre em História Contemporânea pela
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Como Bolseiro da Fundação
Calouste Gulbenkian desenvolveu a problemática da sua investigação intitulada
As Ilhas Como Espaços de Deportação e de Prisão no Estado Novo, trabalho esse
que ficou distinguido com uma Menção Honrosa no Prémio de História
Contemporânea Víctor de Sá, na Universidade do Minho (Portugal) na sua edição
de 2008. É investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX,
Universidade de Coimbra (CEIS 20) e tem colaborado em vários colóquios,
seminários e conferências nacionais e internacionais. Atualmente, Victor Barros
desenvolve a sua investigação como Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian no
Programa de Doutoramento em Estudos Contemporâneos (História Contemporânea e
Estudos Internacionais Comparativos) na Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra.
O discurso colonial hegemônico da ditadura do Estado Novo não
desassociou a língua da representação e da narrativa do processo de construção
imperial.
Partindo da análise de um dos órgãos mais importantes da propaganda
colonial salazarista, inquirimos sobre as formas de representação apoteótica da
língua como expressão do “sentido colonizador” português e a consequente
sacralização da ideia de atrelar as então colônias à esfera de uma “tradição”
expressa pela cultura da língua.
Subseqüentemente, problematizamos os discursos sobre a
lusofonia, tendo em atenção quer os usos que a memória colonial ganha na
reconstituição parcial da versão pós-colonial da identidade nacional
portuguesa, como também as ambivalências e contradições entre a ideia de uma
suposta identidade lusófona e a força de outras memórias inerentes às
representações identitárias dos diferentes interlocutores lusófonos.
A lusofonia, ou a ideia de uma comunidade lusófona, constitui
o exemplo paradigmático da forma como os processos de construção e de
representação identitária transportam sempre determinadas noções que buscam
legitimar a discursividade subjacente à imagem daquilo que se pretende
patentear.
Isto significa que, quando imaginamos a ideia de comunidade
lusófona, não podemos dispensar duas das principais coordenadas inerentes ao
processo de representação identitária: o tempo e o espaço.
Mesmo quando reconhecemos que estas coordenadas estão, direta
ou indiretamente, inerentes a quase todos os sistemas de representação
identitária, parece pertinente salientar que neste contexto particular, elas
ganham uma dimensão particularmente expressiva naquilo que constitui a
combinação retórica dessas duas coordenadas no próprio processo discursivo de representação
da ideia de lusofonia ou de comunidade lusófona.
Neste caso, o tempo (enquanto memória) constitui a categoria
a partir da qual os discursos sobre a lusofonia ancoram para tentar legitimar a
historicidade inerente ao processo de formação daquilo que hoje se denomina por
comunidade lusófona.
Isto significa que a versão atual daquilo que se propôs
designar por lusofonia se inscreve discursivamente numa temporalidade
intencionalmente insuflada pela memória histórica das relações tecidas em
tempos de colonização entre Portugal e as suas antigas colônias: daí a
sacralização do tempo dessa memória e da memória (atual) desse tempo, como
instrumento essencial, passível de construir uma narrativa característica e
legitimadora dos discursos celebratórios da lusofonia e da ideia de comunidade
lusófona.
Por isso, aqui, o tempo funda e outorga a sua dimensão
referencial como uma das coordenadas do sistema de representação daquilo que
constitui a lusofonia, ao mesmo tempo em que funde sub-repticiamente as continuidades
e as metamorfoses que a contemporaneidade pós-colonial e pós-independência
imprimem (aparentemente) como discurso de ruptura com o tempo da representação
imperial.
A segunda coordenada a que aludimos (o espaço), para além de
materializar o contexto da representação, constitui por excelência um
instrumento de fixação das referências geográficas e identitárias da
“comunidade” que se pretende representar, tendo em conta a aparente articulação
que se pode estabelecer – tanto por referência à língua, como instrumento de
partilha, como também por referência ao mito da ideia de uma história comum.
Neste contexto, tanto a língua como a memória histórica
aparecem imbuídas de um alcance susceptível de suportar a definição de uma
aparente unidade; uma unidade não menos paradoxal e contraditória, tendo em
conta a dispersão territorial e continental dos vários espaços que preenchem a
geografia da designada comunidade lusófona e as especificidades sócio-culturais
e os contextos sociolinguísticos intrínsecos à historicidade que caracteriza a
formação identitária de cada um desses espaços.
Por isso, perante este quadro, a construção da coordenada
espacial a partir da qual se imagina a ideia de uma comunidade lusófona opera
tanto na sua dimensão demarcatória (ao estabelecer a língua como pauta
fundamental de pertença), como também nas suas funcionalidades como espaço
imaginário.
Um espaço imaginário que, contudo, não pode ficar imune ao
questionamento, sobretudo quando os discursos que animam a imaginação de
pertença ficam insuflados somente pela propalada retórica de uma “língua
partilhada” e pelo mito simplificador de uma “história comum”.
Os discursos celebradores da lusofonia e da ideia de
representação de uma comunidade lusófona são profundamente tributários daquilo
que constitui a memória histórica e colonial do império.
Aliás, não podemos perder de vista que a representação
cartográfica desta ideia de comunidade pisa e reproduz, praticamente, os mesmos
perímetros dos espaços que enformavam a geografia imperial portuguesa.
Estamos assim perante os novos desdobramentos pós-coloniais
que a discursividade da memória do antigo império colonial português ganhou com
os novos discursos e conteúdos que lhe foram insuflados para servir de bálsamo,
tanto na forma de reconstrução da nova versão da identidade nacional portuguesa
(após 1974), como também na reelaboração da nova geografia imaginária
(lusófona), susceptível também de alojar as antigas colônias sob o manto de um
mesmo legado que as atrela de forma umbilicalmente transversal a Portugal: a
língua.
No Portugal contemporâneo, a reflexão sobre a identidade
nacional esteve sempre presente e desenvolve-se em múltiplas direções após a
queda do império (1974-75) [Matos 2002: 123].
Neste sentido, a invenção da lusofonia não deixa de figurar
como uma parte da versão da identidade nacional e, simultaneamente, uma espécie
de fórmula alegórica de projeção do futuro, sem poder deixar de imaginar o
passado de Portugal como antiga potência imperial e nação colonizadora.
Daí que, mais do que propriamente uma forma catártica de
exorcização dos fantasmas imperiais, a sua invenção e a ideia de comunidade
lusófona funcionam como uma das versões reconfiguradas e reformatadas da
mitologia de vocação imperial que, até à derrocada do Estado Novo salazarista
em 1974, sempre alimentou o discurso profundamente nacionalista da identidade
nacional portuguesa.
Esta asserção está bem patente na forma crítica como Eduardo
Lourenço problematizou a questão das imagens que a aventura colonial portuguesa
impregnou na consciência nacional e a nova tentativa de conversão e de
readaptação dos novos mitos para animar a identidade nacional:
As contas a ajustar com as imagens que a nossa aventura
colonizadora suscitou na consciência nacional são largas e de trama complexa
demais.
A urgência política só na aparência suprimiu uma questão que
também na aparência o país parece não se ter posto.
Mas ele existe.
Querendo-o ou não, somos agora outros, embora como é natural
continuemos não só a pensar-nos como os mesmos, mas até a fabricar novos mitos
para assegurar uma identidade que, se persiste, mudou de forma, estrutura e
consistência.
Para além das versões (re)fundadoras de caráter
revolucionário que, depois de Abril de 1974, acompanham a reconfiguração da
imagem de Portugal e das suas antigas colônias africanas, o discurso da
lusofonia não representa exclusivamente a metamorfose polida da antiga
“vocação” pretensamente imperial da nação portuguesa.
Ele atesta também a plasticidade da memória e as diferentes
apropriações que as diversas formas discursivas de uma mesma memória ganham, de
acordo com as funcionalidades políticas que se lhes incumbem de cumprir.
Qualquer problematização da temática em análise não pode
perder de vista as duas coordenadas essenciais sobre as quais assenta, direta e
indiretamente, a representação da lusofonia ou da comunidade lusófona.
Sub-repticiamente, o tempo e o espaço aparecem como
categorias importantes de legitimação do próprio discurso da lusofonia –
primeiro, pela inscrição numa memória histórica; segundo, pela possibilidade de
mapear geograficamente os pontos dispersos da cartografia que configura a ideia
de uma pretensa comunidade lusófona.
Este fato não só atesta bem a importância que o tempo e o
espaço ganham como categoria da narrativa de representação identitária, como
também corrobora a ideia segundo a qual diferentes épocas culturais engendram,
politicamente, diferentes formas de combinar essas mesmas coordenadas espácio-temporais
[Hall 2006: 70]2.
Uma combinação que, por sua vez, não deixa de animar a ideia
de uma certa geografia imaginária (lusofonia, comunidade lusófona), a partir
das representações alicerçadas nas narrativas do passado e que permitem
reelaborar e readaptar velhos mitos como forma de conciliar a memória imperial
e colonial com o presente e o futuro e, consequentemente, continuar a nutrir o
velho aforismo já conhecido sobre o papel e o lugar de Portugal no mundo.
Portanto, se a ideia de lusofonia reivindica um tempo e um
espaço a partir do qual se torna possível imaginar uma suposta comunidade
lusófona, na verdade a discursividade política a ela associada não deixa de ser
também tendencialmente convocadora da necessidade de todos se reconhecerem numa
mesma geografia imaginária, uma geografia imaginária que também não deixa de
ser tributária de um tempo e de um espaço que, outrora, foram inscritos na
identidade nacional portuguesa e que permitiu imaginar o império.
Por isso, a retórica da lusofonia e de uma comunidade
lusófona busca, em parte, dar sentido a uma identidade que se imagina inscrita
num tempo e num espaço específicos, validando a tese segundo a qual todas as
identidades se inscrevem e recorrerem a uma ancoragem num tempo e num espaço
simbólicos.
O
discurso colonial e o elogio da língua
Aqueles que nunca atravessaram os desertos e os matos da
África não podem compreender nem sequer imaginar como se dilata o coração de
Portugal dentro do peito quando se aproxima de nós, do fundo da Donguena ou dos
imbondeiros do Xipelongo, um pequenino preto que nos pergunta com graça
ingénua:
O siô passô bêm?
A partir das considerações propedêuticas anteriormente
explicitadas, propomo-nos agora a fixar sucintamente a forma como o discurso
colonial não deixou de manifestar a sua posição apologética quanto à
necessidade de atrelar a língua à missão colonial e “civilizadora” que se
inscrevia no espírito imperial do Estado Novo salazarista, sob a retórica de
fazer cumprir o mito da essência orgânica de Portugal como nação.
Assim, colonizar e “civilizar” eram propaladas como partes
intrínsecas da essência orgânica de Portugal, como nação imperial que não se
coibia de desempenhar uma função considerada histórica. Por isso, por
referência ao mito da essência orgânica, a colonização e a ação de “civilizar”
os indígenas pareciam conferir sentido à própria razão de ser de Portugal: daí
a sacralização da ideia de império como alegoria e metáfora da história de uma
nação em movimento.
Contudo, não podemos deixar de salientar que colonizar e
“civilizar” são concepções que já de per si transportam uma dimensão política hegemônica
e que se instalam como noções que estabelecem os lugares e as hierarquias das
relações de poder (colonizador/colonizado) em contextos de dominação.
Apesar de serem categorias que o discurso colonial veicula
dissimuladamente como noções imbuídas de uma certa dimensão libertadora e
emancipatória, elas acabam por mascarar uma parte importante do poder colonial
e do próprio colonialismo, na medida em que fazem com que estes se tornem
aparentemente legítimos e toleráveis de acordo com o que conseguem ocultar dos
seus mecanismos de dominação.
A fachada aparentemente libertadora que elas veiculavam
inscreve-se naquilo que alimentava o discurso colonial e o próprio colonialismo
como sistema (pretensamente) legítimo de poder e também como necessidade
imprescindível e inquestionável da razão da força “civilizacional” que alojava
numa suposta força da razão histórica portuguesa.
Um fato não menos importante a considerar na análise do
processo colonial pode ser também identificado na forma como determinadas
posições aparentemente valorativas da cultura ou da realidade indígena são
discursivamente concebidas por mera referência aos intentos hegemônicos de um
colonialismo que, por todos os meios, se queria atuante.
Com isso queremos dizer que a identificação de determinados
elementos indígenas (como a língua, por exemplo) e a tentativa da sua
incorporação numa prática colonial não correspondia a um processo de
reconhecimento valorativo da diferença, mas sim o estabelecimento de
funcionalidades supostamente “científicas” de um saber colonial posto ao
serviço da própria dominação: Conhecer para dominar.
Daí que o que estava em causa era, fundamentalmente, afirmar
a subalternidade do indígena mediante a celebração real e simbólica do
“prestígio de quem, pelo conhecimento da língua, soube lidar com os pretos,
conquistando sempre a mais respeitosa submissão”.
Por esta razão, não faltaram posições fundamentadas sobre a
importância do conhecimento, por parte dos funcionários coloniais, da “língua
vernácula” da colônia onde iam exercer as suas funções, como forma de propagar
a luz da “civilização” na escuridão da “barbárie”, que se imaginava
caracterizar o primitivismo dos espaços coloniais africanos.
Por exemplo, em 1927, esta perspectiva ficou asseverada por
um tipo de discurso tendencialmente salvífico e laudatório que se traduzia nos
seguintes termos:
Eis a divisa da nossa nobre cruzada, cuja finalidade
gigantesca é – Rasgar ao mundo as trevas em que ainda hoje se envolve a África,
abrir mil veredas por onde possa caminhar avante a roda do progresso;
- lançar a luz brilhante da instrução nos cérebros obscuros
dos seus habitantes, lhes ensinar os sãos princípios da sociabilidade, do
trabalho e da moral cristã.
Os executores e dirigentes natos dessa cruzada (…) são os
nossos funcionários coloniais, que pela sua inteligente técnica administrativa,
serão de certo merecedores de louvor;
- e por isso é para eles que vai o testemunho sincero das
minhas saudações, lembrando que um dos valiosos fatores da colonização
portuguesa em África como em toda a parte, foi desde os seus primórdios o
conhecimento das principais línguas do qual resultou a prática de saber lidar
com os naturais.
Apesar desta celebração laudatória da gesta imperial
portuguesa, esta asserção antecipa aquilo que viria a ser posteriormente posto
em relevo pelo Estado Novo salazarista sobre a especificidade da colonização
portuguesa, caracterizada fundamentalmente pela existência de uma suposta
disposição ou forma de estar tipicamente portuguesa na relação com os povos
colonizados.
O elogio da língua vinha sempre embalsamado por um discurso
de pendor colonial, que reforçava cada vez mais o nacionalismo imperial
salazarista por referência ao que se considerava ser a continuidade dos registros
dos tempos gloriosos da gesta portuguesa da navegação pelos mares, da
“descoberta” de terras e das batalhas vencidas nas diversas partes do globo.
Por isso, não se obstava de propalar sistematicamente o lugar
de Portugal no mundo como potência colonizadora, difusora dos valores da
“civilização” e nação digna de nome no registro do livro da História que serve
de lição para a humanidade, uma vez que se encontram ali registrados em
caracteres inapagáveis esses épicos feitos de um povo colocado na parte mais
ocidental da Europa, e que pela sua singular característica de colonizador,
soube tornar-se grande, servindo de mestre e guia aos outros povos, que
apareceram depois dele e trilharam pelos caminhos por ele aplanados.
Assim, entre os feitos da colonização, elogiava-se a “rara
capacidade” portuguesa de integração de indivíduos nos usos e costumes
portugueses, “falando até a nossa língua”, e na “boa-vontade” com que acederam
a essa “transfiguração social, que até hoje, em terras que já não são nossas,
no seu convívio particular se fala o português e com certo orgulho!”.
Ainda a corroborar a tese do elogio, encontramos também a
forma como, por referência à língua, se procurava reportar à memória simbólica
que articula Portugal com o Brasil e com as colônias africanas, principalmente
Angola, para onde seriam canalizados os esforços patrióticos da missão
“civilizadora”:
“a irrigar aquelas terras sedentas com a água lustral da
nossa civilização, da qual esta língua, que falamos, é uma das mais vivas, das
mais fortes e das mais palpitantes expressões”.
Nesta senda, a ideia de grandeza da missão colonizadora e
“civilizacional” não podia dispensar a apologia da língua.
Isto não significa que se estava perante um programa político
e cultural estruturalmente definido e enquadrado no âmbito do projeto imperial,
mas tão-somente no âmbito propagandístico e apologético sobre a necessidade de
não se desconsiderar a defesa da língua, tanto como forma de reconhecimento dos
vestígios de uma “civilização” que se encontrava “em todos os continentes”, como
também de engrandecimento de Portugal como pátria e potência colonial.
Por isso, a apologia da língua inscrevia-se no âmbito de uma
propaganda tributária da ideia de mantê-la atrelada ao império:
- mais do que fazer imperar as suas funcionalidades no
contexto da colonização como um dos “fatores que mais contribui para os
estreitos entendimentos dos colonizados e dos colonizadores”, ao indígena devia
ser ensinada “a língua para que ele a compreenda bem, e ensinar-lhe o melhor possível”,
de modo a aprendê-la e a divulgá-la.
Contudo, não podemos deixar de considerar que a apoteose
discursiva desta asserção assentava em duas premissas fundamentais.
A primeira, de caráter nacionalista, que acentuava a
necessidade de reconhecimento do valor cimeiro da língua: “só depois dela vêm
os costumes, o orgulho das tradições, numa palavra, a pátria”;
- a segunda, de caráter colonial, arreigava no mito
assimilassionista de inculcar ao indígena “o verdadeiro sabor da língua”.
Por um lado, parece fácil reconhecer que estamos perante
posições discursivas que se ancoram no âmbito da propagação da importância
superior da língua como “principal preocupação de quantos pretendem fazer
grande a Nação”;
- por outro lado, alimentava-se a crença na possibilidade de
elevação progressiva do indígena à “civilização” e a sua consequente libertação
da “barbárie” que se imaginava caracterizar os níveis de “primitivismo”
resultantes do desconhecimento da língua da “civilização”.
Neste nível problemático, parece pertinente não negligenciar
a forma como a língua foi atrelada à ideia de resultado que se fazia revelar
por mera consequência da ação colonial dos “obreiros da grandeza da Pátria” e
do império (marinheiros, militares, fazendeiros, missionários, mercadores…).
Assim, pensava-se que a partir da missão colonial específica
de cada uma destas categorias, a língua se realizava e se revelava,
automaticamente, como valor de civilização:
- é neste contexto que se exorta ao empenho da sua difusão
como correlato da incumbência característica do trabalho de cada obreiro, por
se considerar que não havia “benefício tão grande que se possa fazer a um povo,
como a difusão da sua língua, pela qual domina sobre tudo a supremacia da
raça”.
Esta posição não só buscava corroborar a pretensa “vocação
apostólica” de Portugal como potência colonizadora, como também pretendia
validar o poder hegemônico sobre a qual se aspirava afirmar a sua suposta
superioridade.
Daí que qualquer posição nacionalista se revelava legítima,
sobretudo quando se tratava de defender a língua, seja por meio de perspectivas
propagandísticas, seja por meio de posições políticas supostamente susceptíveis
de anular e exorcizar os efeitos aparentemente perversos que se imaginava
resultarem da adoção ou da colagem de noções estrangeiras.
Estas eram vistas como “fortíssimos atropelos à forma
portuguesa” e uma “sensível manifestação de mau gosto” que não deixava de ferir
o bom ouvido português: “O uso da língua estrangeira nem sequer merece ser
discutido.
Não há interesse que o expliquem nem aprumo patriótico que o
admita. Trata-se, simplesmente, duma incompreensão doentia da nossa função na colônia,
possivelmente baseada em fantasiosas razões de ordem comercial.
Por exemplo, em 1940, na então colônia de Moçambique, podemos
identificar algumas referências relativas àquilo que as autoridades coloniais
consideravam ser “estrangeirismos”, manifestos na “troca deselegante do nome
com o atributo”, cujos exemplos estavam patentes nalguns casos típicos como
nomes de edifícios ou estabelecimentos.
Na altura, uma das propostas centrais estabelecia o “uso da
língua portuguesa, em nomes de edifícios, out-dors, cartazes, marcas de
indústrias e de comércio nacionais, listas de mesa de hotéis e restaurantes, e,
bem assim, em todos os letreiros de caráter mais ou menos fixo e de leitura
instintivamente forçada para quem passa”.
Tudo parecia justificar a ordenação de disposições que o
“culto”, a “pureza” e o “prestígio” da língua portuguesa exigiam, no sentido de
combater aquilo que parecia ser presença de “estrangeirismos desnecessários” na
linguagem local, como se podia testemunhar pelo desinteresse ou falsa
comodidade de quem desprezava os “abundantíssimos” recursos do vocabulário
português em detrimento do uso daquilo que se considerava ser o “barbarismo”
dos que frequentemente utilizavam a designação “tiqueta” (do inglês ticket)
para designar o cartão em que se registravam os dias de trabalho dos
trabalhadores indígenas.
Por isso, alertava-se para alguma atenção nos documentos oficiais
e para a firmeza no combate oportuno ao que consideravam ser “vícios
sustentados por ignorância, desleixo ou teimosia do exterior”.
Sendo assim, os Serviços Públicos poderiam tornar-se numa
verdadeira escola de proteção da dignidade intrínseca da língua, considerada
então como o mais permanente e um dos mais característicos sectores do
verdadeiro nacionalismo português.
Nesta ordem, ficou superiormente determinado pelo então
Governador-geral daquela colônia, o General Tristão de Bettencourt, que a designação
tiqueta, “abusivamente” dada a cartões de trabalho indígena, fosse suprimida da
linguagem oficial.
Tudo isso para que seja defendida, naquele recanto do
império, a riqueza, preciosa e autônoma, daquilo que se considerava ser uma
aquisição de séculos: O patrimônio linguístico português.
Esta ação tanto vinha ao encontro do nacionalismo imperial
que fundamentava a necessidade de legitimação e renovação constante da presença
portuguesa nas colônias, como também refletia a ambição de fazer reproduzir
Portugal em todas as latitudes do império: “Tudo quanto de qualquer modo
propague e robusteça, na Colônia, o espírito nacional constitui obra salutar da
nossa presença e afirmação consistente dos nossos direitos”.
Numa análise rigorosa, parece fácil diagnosticar a forma como
o discurso colonial investe a língua de uma dimensão essencialista, uma vez que
a sua imposição revelava o sentido colonizador de um povo que também através
dela projetava a sua própria alma.
Daí a sua importância como “fator espiritual” que determinava
a linha demarcatória entre a simples ocupação e a verdadeira colonização, tal
como se manifestava naquilo que se imaginava ser a capacidade de irradiação da
língua portuguesa e a sua resistência, em todas as latitudes, entre os povos e
os climas mais exóticos.
Neste sentido, a língua corroborava a verdadeira vitória
colonizadora por se revelar como uma espécie de vitória sobre o espaço e sobre
o tempo, tanto no domínio da terra como também na penetração nas almas. Por
isso se insistia na necessidade de não desvincular as colônias e os seus povos
do “sangue” e da tradição expressa pela cultura da “nossa língua”.
Estamos assim perante uma forma celebradora do elogio da
língua e da saudação daquilo que se imaginava ser o sentimento ecumênico e o
franciscano amor pelas gentes e culturas de outras latitudes, manifesta nesta
“capacidade única” de Portugal se perpetuar noutros povos.
Contudo, quando elevamos a problemática para uma dimensão
mais crítica, não podemos perder de vista que, fora dos discursos
propagandísticos, o manuseamento da língua constituía um dos requisitos
impostos para o reconhecimento do nível “civilizacional” do indígena.
Por esta razão, o enaltecimento da irradiação e defesa da
língua portuguesa nas colônias não deve passar imune a uma problematização dos
limites da sua real apropriação por parte dos indígenas, sobretudo quando
tomamos em consideração que as determinações superiores de 1954 exigiam, entre
outras condições, que o indígena falasse português para que lhe seja reconhecido
o direito de cidadania.
Para além desta dimensão supostamente valorativa da condição
social e identitária do indígena, a propaganda não dispensou também a
celebração do português como língua franca sem a qual teriam sido difíceis os
contactos das nações europeias com os outros povos;
- daí a sua representação como veículo a partir do qual se
estabeleceu o entendimento entre o Oriente e o Ocidente e como veículo do
pensamento que serviu os interesses espirituais e mercantis da Europa, bem como
o interesse comum da Humanidade nos diferentes continentes:
“Tanto a África, como o Oriente, como o Brasil, como a
Oceania, receberam de Portugal mais de que de outro país o patrimônio da nossa
língua culta”.
Parece inequívoco que esta ideia de patrimônio ou de legado
português suportava perfeitamente a concepção de uma geografia imaginária a
partir da qual se poderiam anexar as diversas periferias (antigas e então colônias)
na órbita de uma língua que permitia imaginar e identificar Portugal como
centro.
Ou seja, por referência à língua tornou-se possível imaginar
o império, elaborar a narrativa da sua construção; situar os lugares onde ela
se arraigou e, por fim, incorporar estes mesmos espaços numa representação que
os atrelava diretamente a Portugal.
Este, durante o salazarismo, não deixou de incorporar e
reelaborar imagens discursivas que beneficiavam a sua representação como nação
de obra colonial manifesta na forma como se reproduzia nas diversas extensões
do seu então mundo colonial.
Por exemplo, a imagem de Portugal como nação geograficamente
pluricontinental, política e humanamente multirracial que, a partir da década
de 1950, se instala discursivamente, estabelecendo-se como a nova metáfora
nacional e imperial, transportava também, direta e indiretamente, a ideia de
uma suposta comunidade também passível de ser representada através da memória
da língua.
Aliás, a sua disseminação geográfica pelos diferentes espaços
continentais e a possibilidade de identificação de um universo de falantes
corroborava a formatação da ideia de uma comunidade imaginada a partir da
língua.
Vários são os registros que a partir da década de 1960
testemunham ações tendencialmente estruturadas e intencionalmente definidas no
sentido de elaborar e fomentar a sedimentação do imaginado mundo português que
se queria tanto como comunidade efetiva, como também afetiva.
Nesta senda podemos identificar, por exemplo, a proposta
lançada para a realização, em 1961, dos Jogos Desportivos do Mundo Português, a
realização do I Congresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, em 1964, ou
ainda a identificação da necessidade de uma “maior expansão da língua pátria no
Ultramar”.
Fora da sua dimensão lúdica, os Jogos Desportivos do Mundo
Português pretendiam encenar uma sensacional e empolgante afirmação de unidade
da “Raça” e da “Pátria” através da congregação da juventude portuguesa de toda
a parte da “Nação” e do mundo português, numa “larga e nobre” exibição nacional
que testemunharia a fidelidade e a consciência que vinculava todos os
portugueses.
Ao tentar diluir discursivamente as fronteiras da diferença
(“quaisquer que sejam as diferenças de cor, de religião”), convocava-se
sub-repticiamente para a celebração da ideia de uma suposta unidade que se queria
suprema, reveladora da presença viva da “perenidade nacional” e da
“imortalidade triunfal da Raça”.
Esta celebração desportiva seria um desfile da juventude
portuguesa, unida no estímulo da mesma competição física, numa só “alma” e num
só nome; ao mesmo tempo, seria também a alegoria de uma versão da identidade
nacional e imperial portuguesa, veiculada em forma de espetáculo.
Daí a representação da juventude do mundo português como
depositária de uma expressão de solidariedade e de um sentido de continuidade
daquilo que se considerava ser a alma e o destino nacionais.
Entretanto, independentemente dos contornos reais da sua
realização, para o propósito do presente texto, não podemos perder de vista a
necessidade de problematizar e identificar as funcionalidades políticas
subjacentes às propostas discursivas que alimentavam estas imagens e a forma
como elas se inscrevem (com todos os seus efeitos momentâneos e os seus
desdobramentos posteriores) na construção de representações postas ao serviço
das demandas (reformadoras ou fundacionais) de um tempo específico.
O segundo registro trata-se do – I Congresso das Comunidades
de Cultura Portuguesa (realizado de 8 a 16 de Dezembro de 1964, sob o
patrocínio da Sociedade de Geografia de Lisboa) – constituía o reflexo
inequívoco da tentativa de fixação de uma espécie de comunidade de cultura.
Uma comunidade em parte imaginada a partir de certa forma de
essencialismo, manifesta na concepção do portuguesismo que se pensava
trespassar todas as comunidades de cultura portuguesa, sacralizando assim o
mito da ideia de uma solidariedade filiada neste portuguesismo e o mito do modo
português de estar no mundo, firmado por todas as parte (“ao redor da terra”) e
por todos aqueles que, de algum modo, estavam filiados nesse mesmo
portuguesismo.
Uma filiação reivindicada também por referência à concepção
da ideia de uma matriz portuguesa estabelecida em terras alheias que, também à
mercê da maneira portuguesa de viver, implantou nos trópicos comunidades de
raiz portuguesa com o seu “milagre” do homem novo, o “homem luso-tropical”,
depositário cultural da civilização portuguesa e “produto de um povo de missão”.
Importa referir ainda
que o referido congresso não se centrava exclusivamente nos espaços do então
mundo colonial português, mas também alargava a sua abrangência representativa
a outros espaços de emigração portuguesa.
Contudo, o âmago da questão estava focalizado na tentativa de
afirmação valorativa de uma determinada concepção de comunidades de cultura e
língua portuguesa e na tentativa de fortalecimento de laços (“biológicos,
étnicos, linguísticos, religiosos e culturais”) tributados por todos os
“luso-descendentes”.
Como corolário do primeiro congresso ficou oficialmente
instituído, em Dezembro de 1967, a União das Comunidades de Cultura Portuguesa,
designada como “uma instituição privada, internacional e apolítica, que tem por
fim promover e assegurar as relações e a cooperação das associações, grupos e
indivíduos que estejam ligados ou se interessam pela conservação e propagação
da cultura portuguesa”.
É neste mesmo trilho de inclinação tendencialmente
luso-tropicalista que entre 12 e 22 de Julho de 1967 foi realizado em
Moçambique o II Congresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, com a
participação de mais de mais de 180 personalidades dos diferentes pontos do
mundo onde se fala a língua portuguesa, de entre eles o apóstolo do luso-tropicalismo,
Gilberto Freyre.
Do terceiro registro referido, importa salientar o
diagnóstico da Sociedade Portuguesa da Língua quanto à necessidade de expandir
a língua pátria no então ultramar através da nomeação dos seus delegados nas diferentes
colônias e da criação de núcleos regionais de estudo também para a recolha de
material linguístico das línguas locais.
A Sociedade era definida como uma “associação cultural, de caráter
eminentemente popular”, criada em 1949 com sede em Lisboa, mas que também
mantinha contactos com as colônias.
Contudo, parecia cada vez mais premente a mediação desse
contacto com os espaços coloniais através do trabalho de divulgação que o seu
boletim poderia ter na difusão da língua por intermédio das autoridades
militares ou dos padres das missões que ali se encontravam a prestar serviço.
Igualmente, não se podia dispensar a importância assistencial
e educativa das missões junto das populações, sobretudo quando se considera
que, atrelado às suas atividades específicas, estava sempre presente o trabalho
propedêutico do ensino e da difusão da língua.
Portanto, a partir deste inquérito sobre a problemática da
língua podemos facilmente diagnosticar a forma como ela esteve atrelada ao
discurso colonial posto ao serviço da sacralização do império e da
reivindicação de uma suposta vocação portuguesa de caráter missionária, ecumênica
e, em certa medida, universal e universalizante.
Através do mapeamento das formas discursivas elaboradas pelo
discurso colonial e colocadas em evidência diretamente pela propaganda glorificadora
da ideia e da representação do império, parece plausível insistir na dimensão
laudatória atribuída à língua na narrativa colonial e, consequentemente, nos
efeitos que a apoteose do seu elogio (enquanto mecanismo de dominação)
desencadeou na colonização do imaginário, por alusão à força da incumbência
pretensamente salvífica que lhe foi investida como elemento imprescindível na
validação do nível “civilizacional” do colonizado.
Ao celebrar o império, o elogio da língua representava-a
ostensivamente como língua do império, afirmando assim a própria lógica hegemônica
que alimentava o império da língua.
Os mitos da lusofonia: entre as malhas da língua e as
memórias do império
“Portugal, deve ser uma solidariedade viva em quatro partes
da terra: como se esta fôsse a própria fonte da vida nacional, todas as
populações portuguesas terão de ajudar-se e proteger-se mùtuamente, porque a todas
a mesma bandeira cobre e a mesma língua tem de embalar”.
Para além de corresponder à matriz etimológica que lhe
devolve o significado semântico, a lusofonia veicula também noções que a
investem de uma dimensão afetiva, por se ancorar no discurso celebrador da
existência de laços aditivos entre Portugal e as suas ex-colônias,
fundamentalmente por referência à ideia de uma língua comum.
Apesar de se pretender veicular uma realidade passível de ser
percepcionada como comunidade de língua, o discurso da lusofonia convoca e
anima, em certa medida, a dimensão sentimental que permite insuflar a
imaginação da mesma como comunidade de afetos.
Em tese, as comunidades de pertença são tendencialmente projetadas
de forma real e simbólica como espaços de afetos.
Neste caso, a representação da lusofonia (enquanto comunidade
de língua) não podia dispensar o trabalho de convocação dos afetos como
suplemento capaz de fazer irrigar o sentimento de identificação e de pertença.
Estamos assim perante um processo que não deixa de revelar as
metamorfoses que os usos da memória histórica ganham em função das épocas e de
acordo com as funcionalidades políticas e discursivas que lhes são incumbidas
de cumprir.
Não podemos negar que, no contexto da representação da
lusofonia, a convocação dos afetos é feita por referência à história, ao passado:
a um passado que sub-repticiamente é convocado para ser imaginado como uma
espécie de meta-história cuja narrativa poderá tornar possível o reconhecimento
de um passado comum.
Para além dos processos discursivos que indiretamente
sobrevalorizam esta narrativa celebradora da lusofonia, parece também possível
diagnosticar o próprio uso da história como uma espécie de bálsamo com o qual
se pode cingir uniforme e homogeneamente todos os antigos espaços coloniais
onde ainda se fala o português.
Neste contexto, é como se a simples reivindicação de uma
história ou de um passado comum legitimasse automaticamente a concepção de uma
comunidade que permite a inserção dos diferentes povos que falam o português
numa cadeia de filiação identitária homogênea.
A retórica de um passado comum enquadra-se perfeitamente nas
estratégias discursivas impostas pela necessidade de uma nova forma de
representação da história e, subsequentemente, pela tentativa de insuflar o
passado subjacente a essa história como uma espécie de “campo comum” ou reflexo
a partir do qual todos se reviam analogamente na mesma imagem.
É como se uma espécie de fórmula sintética – “passado comum”
– revelasse susceptível de aglomerar as memórias e as diferentes formas de
representação do passado que dá forma e conteúdo a essas mesmas memórias.
Por isso, quando a imagem da lusofonia fica atrelada somente
à explicitação simplista da ideia de passado comum, ela simplesmente corrobora
a sua própria inscrição no processo da escrita de uma nova forma de representação
identitária, com todos os reflexos perversos e os seus segredos de
invisibilidade a ela subjacentes.
Independentemente de qualquer tentativa de conceber a
lusofonia a partir do aforismo da língua e de um passado comuns, não podemos
negligenciar que as diferentes sociedades que formam o universo lusófono
revelam, todas elas, diferentes formas de lidar com a mesma representação.
Isto significa que, nas antípodas da noção de lusofonia
podemos diagnosticar os paradoxos inerentes à sua representação, tendo em conta
a importância atribuída às memórias nacionais de cada um dos países do espaço
lusófono na animação das suas representações identitárias e nacionalistas.
Sendo assim, a dimensão afetiva que a lusofonia convoca não pode estar imune ao
questionamento.
Os limites da sua apropriação são também moldados pela
interferência e sobreposição de outras referências que são indexadas tanto no repertório
da memória oficial nacional e nas representações do imaginário coletivo de cada
um dos países como também na concepção das representações sociais e individuais
da identidade dos sujeitos ou grupos que pertencem ao designado espaço
lusófono.
Mesmo quando a problemática da imagem da lusofonia é
deslocada para o campo das representações sociais ou individuais, ela não é
incorporada com o mesmo significado na estruturação real e simbólica das
representações identitárias dos diferentes sujeitos. Por exemplo, dos
resultados de um estudo sobre a lusofonia e as representações sociais de
portugueses e de africanos, Joaquim Valentim salienta o seguinte:
Mas se a lusofonia se mantém como um princípio organizador
das representações sociais dos portugueses, não há concordância entre os
portugueses e africanos a esse respeito: os portugueses valorizam-na, os
africanos rejeitam-na.
Dito de outro modo, a este nível, a valorização da lusofonia
não encontra correspondência da parte dos africanos que são, em boa medida,
interlocutores por excelência dessa lusofonia.
Mais ainda, os africanos não só manifestam uma posição contrária
à dos portugueses em relação à lusofonia, como a importância que atribuem à sua
identidade étnico-nacional se encontra associada negativamente à valorização da
dimensão lusófona nas representações das semelhanças dos portugueses com outros
povos.
Sendo assim, podemos reforçar ainda que a dimensão valorativa
da lusofonia é tributária da forma como esta é assumida por cada um dos países
e, sobretudo, como ela é mais incorporada ou menos incorporada nas
representações da imagem e da própria identidade de cada um deles.
Em parte, esta maior ou menor incorporação resulta também da
maior ou menor força da memória do “lugar” hierárquico que, em tempos de
colonização, mediava as relações de poder entre Portugal as suas colônias.
Por outro lado, não podemos descurar os efeitos perversos que
as representações hierárquicas (colônias/metrópole) postas em destaque pelo
colonialismo, têm no condicionamento das modalidades de inclusão e de assunção
plena de determinados legados, como todos os seus reflexos de visibilidade que
se lhe podia atribuir.
Esta asserção é cada vez mais pertinente quando conseguimos
observar que a matriz da lusofonia se funde sobre a ideia de um legado do qual
Portugal foi o grande depositário: mesmo quando não se celebra diretamente, ela
acaba sempre por protagonizar inconscientemente a narrativa de um centro a partir
do qual se pode identificar a matriz originária da língua através da qual todos
os restantes espaços do mundo lusófono se encontram vinculados.
Na esteira destas ideias, Eduardo Lourenço foi peremptório em
sublinhar a dimensão apoteoticamente portuguesa que acompanha a força
representativa dos afetos vinculados à imagem da lusofonia:
“Só para nós, portugueses, a lusofonia e a mitologia da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é imaginada como uma totalidade
compatível com as diferenças culturais que caracterizam cada uma das
componentes. Como portugueses, seria impossível e sem sentido não imaginar
assim, pois somos o espaço matricial da língua portuguesa, levando-a conosco
par as paragens que tocamos ou colonizamos, e onde estamos enquanto ela estiver
e continuar a nos definir, aos nossos olhos e aos de outros, como interessados
espiritual e vitalmente na sua irradiação, presença e metamorfose”.
A ideia de vinculação
dos vários espaços a partir da referência à língua não deve exceder a
representação das possibilidades de celebrar, em si mesma e com todos os seus
limites, a própria comunicação.
Os excessos celebratórios de vinculação cultural dos vários
espaços lusófonos a Portugal através da língua acabam sempre por glorificar uma
memória:
- neste caso uma versão presente de glorificação do passado
que, por vezes, ultrapassa a simples celebração da língua comum e as
possibilidades de comunicação que ela proporciona, para se cair nos excessos de
imaginação de uma comunidade de cultura passível de ser concebida, interpretada
e reconhecida uniformemente por referência às marcas impressas por Portugal nas
extensões que formam a dita comunidade lusófona.
Esta forma de celebração discursiva da lusofonia é tributária
da perspectiva colonial que, durante o Estado Novo, acompanhou a alegoria da
missão colonizadora de Portugal: o mito da reprodução de Portugal em todas as
latitudes do seu império.
E, se é verdade que a imagem da lusofonia é devedora
imprescindivelmente da memória da língua como um dos reflexos materiais e
espirituais da aventura colonial e imperial de Portugal, também não é menos
verdade que ela acaba por renovar, consciente ou inconscientemente, a nova forma
de readaptação da mesma memória, dotando-a de um novo sentido operatório:
estimular a ideia de afetividade, de sentimentos, de aproximações e de partilha
comum.
Sob a forma de discursos dos afetos, a imaginação da
lusofonia acaba por matizar um pouco as representações da memória que
estabeleciam a própria condição de subalternidade dos então espaços coloniais
portugueses:
- da posição afirmativamente hegemônica como Portugal se
assumia e se impunha com a memória de todos os seus mitos nas relações coloniais,
passou-se então para uma espécie de exaltação positiva desses legados, entre
eles a língua, através do discurso de celebração afetiva, da concepção da
lusofonia como espaço de afetos assegurado por uma memória que se pretende
partilhada.
Ou seja, mesmo quando reconhecemos que, através dos órgãos de
propaganda e por referência à epopéia colonial e imperial, o Portugal do Estado
Novo sempre animou formas afetivas de articulação da então metrópole com as
suas colônias, porém, através de uma espécie de mapeamento da geografia dos afetos,
o discurso da lusofonia faz uma reconversão da memória histórica e convoca para
a necessidade de reconhecimento de uma espécie de comunhão das partes do mundo
lusófono: o mito da eufonia lusófona.
A mitologia que anteriormente narrava a grandeza imperial e
colonial de Portugal e remetia as então colônias para uma condição de
subalternidade “civilizacional”, entre outras, por força do elogio da língua, é
reelaborada, readaptada e posta ao serviço de um discurso que, sem desconsiderar
as atuais especificidades, pretende estabelecer uma imagem onde todos,
provavelmente, se podiam rever e sentir (confortavelmente) representados.
Portanto, ao propor uma espécie de celebração legitimadora de
uma partilha comum, não se podem negligenciar as margens de sombras produzidas
por aquilo que os processos seletivos da memória narram, mas que também
eclipsam e escondem.
Com isto queremos chamar a atenção para os formatos
discursivos que a lusofonia ganha, tanto por força da influência das reminiscências
da memória colonial e imperial, como também pela importância que a percepção e
a visão da sua representação ganha em função dos espaços de enunciação e das
formas da sua apropriação, com todas as virtudes e todos os reflexos perversos
inerentes à plasticidade da própria memória.
Tal como refere Fernando Catroga, “não se pode escamotear a
ambiguidade da ação da memória: se por um lado, ela pode ser definida pelo que
do passado é aceite no presente por todos os que a recebem, a reconhecem e a prolongam
ao longo de gerações, por outro lado, tende-se a esconder que a corrupção do
tempo (e a historicidade do homem) também atravessa as reatualizações e
transmissões do recordado”.
À margem da retórica (política, jornalista, acadêmica, etc.)
celebradora e propagadora da ideia de comunidade lusófona, ficam sempre
soterradas as contradições das realidades quotidianas e banais onde atuam e
vincam as formas desiguais de representação identitária dos sujeitos falantes
desta mesma comunidade.
Apesar de a língua ser a matriz fundamental de articulação da
esfera lusófona, não podemos negligenciar a influência furtiva que o senso
comum e as relações ordinárias estabelecidas a partir do quotidiano exercem nas
formas de apropriação, imitação e reprodução da língua através da representação
pseudo-correta do “aportuguesamento” do sotaque, principalmente no contexto das
relações entre portugueses e imigrantes ou descendentes de imigrantes dos
países de língua oficial portuguesa.
Também à margem da retórica dos afetos, podemos diagnosticar
alguns contextos relacionais que o quotidiano não escamoteia nas suas várias
lógicas de relações de poder e até de conflito, inflamados ainda pelas
contradições da permanência das velhas (coloniais) representações identitárias
mal resolvidas, como também pelos choques pós-coloniais das memórias
individuais e coletivas latentes à imagem reminiscente do antigo colonizador e
do antigo colonizado.
Portanto, parece plausível considerar que as múltiplas faces
que a realidade ganha em função das diferentes lógicas através das quais os
diferentes sujeitos constroem, no quotidiano, as suas relações tanto afetivas
como conflituosas, não são mediadas pela retórica dos afetos que o discurso da
lusofonia veicula.
Por isso, uma radiografia do quotidiano se impõe como
necessidade de diagnosticar as contradições entre a força retórica da lusofonia
(no centro discursivo que a propala) e a fraqueza da sua inscrição (nas margens
subalternas) onde os vários mitos se sobrepõem.
Considerações finais: “retrato de família” numa casa mítica
comum
“Herdamos
um patrimônio riquíssimo de civilização: patrimônio de saber, de sentimentos, e
bens, de solidariedade, de lembranças comuns”.
Direta ou indiretamente, o debate sobre a lusofonia acaba
sempre por exumar a matriz de pendor cultural e “espiritual” onde assenta uma
parte do seu ideário.
Se são já evidentes os esforços no sentido de fixação efetiva
de um espaço de concertação designado de Comunidade de Países de Língua
Portuguesa (CPLP), no entanto, não podemos pensar que o discurso sobre a
lusofonia se esgota na concepção institucional dessa organização de pendor
essencialmente político e diplomático.
Partindo do inquérito crítico sobre a forma como os discursos
sobre a ideia de uma comunidade lusófona se alojam consciente e
inconscientemente na glorificação dos mitos portugueses que sempre inflamaram a
grandeza de Portugal e a legitimação da própria ideia de império, podemos então
salientar que algumas das formas celebradoras da lusofonia não se conseguem
desenvencilhar dos efeitos que a persistência desses mesmos mitos continuam a
ter na colonização do imaginário português, enquanto espaço privilegiado de
enunciação do próprio discurso sobre a lusofonia.
Por um lado, não podemos perder de vista o peso que a ideia
de império e a sua incorporação na identidade nacional portuguesa ganha desde
as décadas finais do séc. XIX, sob o aforismo de fazer “cumprir Portugal” na
sua tradição atlântica de manter o então império encarnando na África que, para
muitos, representava o futuro indissociável da nacionalidade portuguesa, tal
como salienta Maria Manuela Tavares Ribeiro.
- por outro lado, também não é menos verdade que o mito do
império como destino de Portugal foi também sacralizado pelo Estado Novo e
convertido em “suporte dos discursos legitimadores do ultramar como “missão”
nacional.
Sendo assim, torna-se pertinente não desconsiderar a forma
como o mito do império permaneceu colado e incorporado na identidade nacional
portuguesa, pelo menos oficialmente até à sua derrocada definitiva em 1974.
Subsequentemente, na reactualização da nova versão da
identidade nacional, o discurso sobre a lusofonia reelabora uma nova visão e
uma nova imagem procedente do trabalho de revisitação da memória do passado
colonial e imperial de Portugal, uma vez que a tentativa de estabelecimento da
ponte dos afetos passou pela renovação da imagem da pátria que fomos, através
da sobrevalorização das heranças culturais, entre elas a língua, legadas por
Portugal nas diferentes partes da sua peregrina missão “civilizadora”.
Assim, a “invenção” da lusofonia renovaria a imagem nacional
através da glorificação do legado da língua, agora elevada a elemento comum e
de união, reajustando Portugal consigo mesmo e com o seu presente (“de súbito
reduzido à estreita faixa atlântica”, traçando um possível futuro a construir
através da geografia imaginária que a língua possibilitaria.
Para além do mito do império, o retrato da lusofonia
alimenta-se também de outro mito relacionado com a especificidade (excepcional)
do colonialismo português:
0 neste contexto, o legado da língua não é contextualizado
como parte integrante da imprevisibilidade que caracteriza a “tragédia” da
corrupção e do acaso dos processos históricos, mas sim como resultado cultural
herdado do humanismo universalista português legado nos diferentes espaços de
língua oficial portuguesa.
Por esta razão, a narrativa que fixa a força da persistência
da língua portuguesa nos antigos espaços do então império português não
reconhece com o mesmo valor as influências socioculturais que, reciprocamente,
esses mesmos espaços tiveram na modelação da língua portuguesa.
Sendo assim, uma narrativa unidirecional acaba por fornecer
condições que sacralizam o messianismo da obra colonial (visível no elogio da
difusão da língua) e permitem conceber esses espaços como meros acréscimos de
sobrevalorização da história colonial da antiga metrópole, através da
persistência das marcas impressas pelos obreiros do império.
Ou seja, consciente ou inconscientemente, uma narrativa unidirecional
acaba sempre por remeter para uma posição de subalternidade as reciprocidades
inerentes às relações seculares de dominação que a própria hegemonia do
discurso colonial acaba por mascarar, em benefício de uma narrativa que
sacraliza a herança da antiga metrópole.
Neste mesmo trilho encontra-se também o mito de um “mundo
português”, com todas as suas adicionais representações luso-tropicalistas do
“mundo que o português criou”, onde se imaginava possível identificar as
constâncias e as heranças lusas que permitiam o agrupamento uniforme dos
diferentes espaços num único bloco cultural.
Tanto no senso comum como também nos espaços formais/oficiais
de enunciação discursiva, são manifestas as reminiscências da ideologia
luso-tropicalista na formatação da memória colonial de Portugal, com todas as
suas persistências e desdobramentos pós-coloniais que ela ganha na celebração
apoteótica e acrítica da lusofonia.
Nas malhas das representações inflamadas e embalsamadas pelo
luso-tropicalismo, pode-se também identificar dois outros mitos complementares:
primeiro o da “vocação” colonial portuguesa, manifesta na sua especial propensão
para o estabelecimento de relações de cordialidade e de afetividade com povos
não europeus;
- segundo, o mito da universalidade dos valores inerentes ao
processo “civilizador” e colonial português “a ação portuguesa visava a
transmissão aos povos autóctones de valores universais”.
Para além de dissimular as conflitualidades inerentes às
relações de poder em contextos de dominação colonial, a perspectiva do primeiro
mito acaba sempre por ganhar, consciente ou inconscientemente, versões
metamorfoseadas em formatos por vezes paternalistas na memória das relações
(passado/presente) dos portugueses com os povos das suas antigas colônias.
A partir do mito da universalidade dos valores portugueses
(entre eles a língua) difundidos pelos espaços do então império, o discurso
sobre a lusofonia embala no sonho de enquadrar a imagem histórica de Portugal
na difusão “humanista” do seu patrimônio cultural – a língua – e persiste em
inflamar as afetividades entre os espaços dispersos que a língua une por força
da aparente ideia de partilha de uma “história comum”.
Aliás, a tão propalada ideia de uma “história comum” não deve
passar à margem de uma análise crítica, sobretudo quando tomamos em
consideração que a centralidade da memória do lugar (histórico) de Portugal na
esfera lusófona não é concebida na mesma proporção com a memória simbólica da
importância que as diferentes colônias ocupavam na propagada e no imaginário
imperial, assim como na dimensão política, econômica, cultural e linguística
que atualmente ocupam diferenciadamente os países do espaço dito lusófono.
Outro mito não menos presente nos propósitos aparentemente
confessos da lusofonia vem sob a forma de um certo messianismo justificador da
necessidade de Portugal continuar a marcar o seu lugar no mundo.
Neste caso, a lusofonia seria uma forma de Portugal, enquanto
sede privilegiada da esfera lusófona, se afirmar como centro principal desta
geografia imaginária através do qual se poderia mediar as relações de
aproximação dos países lusófonos com outros países da Europa e daqueles com
estes.
É como se a lusofonia constituísse uma das razões para que
Portugal continuasse a revelar a sua importância na anexação desses espaços na
sua órbita e, subsequentemente, granjear algum reconhecimento exterior em benefício
dessa sua posição hegemônica na articulação e organização do espaço lusófono:
daí, a necessidade de continuar a marcar o seu lugar no mundo.
O que não deixa de ser curioso é o fato de a realização desse
messianismo português continuar dependente da necessidade de atrelar os espaços
do antigo império (agora países independentes) para que Portugal afirme
(novamente) o seu papel e lugar no mundo, agora sob a versão da lusofonia.
Tal como assegura Valentim Alexandre, por vezes, “a análise
crítica da questão colonial omite os elementos de continuidade que lhe estão
subjacentes – e deixa intacta a narrativa identitária da nação portuguesa,
fundada por grande parte na tradição imperial. (…)
Os mitos e os traumas ligados ao império contribuíram
decisivamente para conferir a essa narrativa um caráter bipolar, em que sucedem
e muitas vezes se sobrepõem a crença num destino universal, numa missão a
cumprir…
Por esta razão, Alfredo Margarido considera que “a criação da
lusofonia, quer se trate da língua, quer do espaço, não pode separar-se de certa
carga messiânica, que procura assegurar aos portugueses inquietos um futuro
senão, em todo o caso razões e desrazões para defender a lusofonia”.
Tudo isto sob o propósito de continuar a alimentar uma imagem
idílica do mito da (excepcional) forma portuguesa de estar no mundo.
Parece legítimo considerar que a lusofonia não se esgota no
comum uso da língua, mas sim em todos os outros desdobramentos e alinhamentos
(culturais, econômicos, políticos, científicos, institucionais…) que o diálogo
através da língua possibilita, facilita e proporciona. Importa acrescentar que
são várias as encenações que hoje tentam dar um sentido festivo à lusofonia.
No entanto, algumas dessas encenações atuais como, por
exemplo, os designados jogos da lusofonia, não constituem uma aspiração
original da contemporânea pós-colonial portuguesa.
São originais enquanto motivos de celebrações daquilo que se
propôs designar lusofonia.
Mas quando contextualizadas como motivos ou eventos
celebradores que procuram, sob o discurso da afetividade entre os povos do
espaço lusófono, gerar novas formas de consenso e de imaginação de uma comunidade,
os jogos da lusofonia atualizam, em parte, a versão da memória estado-novista
que propalava a necessidade de organização periódica dos Jogos Imperiais
Portugueses, enquanto intercâmbio desportivo entre a então metrópole e as colônias
e “fator importantíssimo de portuguesismo, dando a este termo o sentido da
criação de um espírito nacional idêntico em todos os cidadãos portugueses
espalhados pelos diversos territórios de domínio lusitano”.
Estamos cientes de que a contemporaneidade que marca os
designados jogos da lusofonia ou a celebração da semana da lusofonia não
corresponde aos fins patrióticos que alimentaram em parte o nacionalismo
imperial do Estado Novo salazarista, cujo sonho de realização dos Jogos do
Mundo Português parecia ser uma possibilidade de revelação do estímulo que
nesta competição física agregava simbolicamente, “numa só alma, num só nome,
num só nobre estímulo, quaisquer que sejam as diferenças de cor, de religião”,
a juventude:
- esta seria, portanto, a expressão de “continuidade e de
solidariedade da alma e do destino nacionais” e, ao mesmo tempo, o “mais
empolgante testemunho de união” dos jovens de toda a parte de Portugal e do
então mundo português.
Entretanto, numa dimensão crítica podemos, até certo ponto,
aceitar alguns limites de anacronismo que uma comparação estribada poderá
eventualmente revelar.
Por outro lado, parece legítimo não desconsiderar que,
independentemente dos diferentes contextos temporais e dos diferentes motivos
subjacentes à instituição dos jogos como modalidades de celebração dos afetos
entre os povos dos espaços marcados pela presença portuguesa, estes registros
acabam direta e indiretamente por se enquadrarem na matriz referencial que as
englobam e as agrupam como espaços marcados por uma narrativa que as incorpora
transversalmente na memória e na história de Portugal.
Contudo, mesmo quando não se propala diretamente as
intencionalidades políticas dessas formas celebrativas, a convocação dos afetos
através de encenações lúdicas não deixa de imbuir a memória da sua função
religadora.
Em síntese, podemos considerar que a transparência relativa
às funcionalidades da memória subjacentes às formas de celebração da lusofonia
constitui ainda uma temática muitas vezes relegada para a periferia dos debates
sobre as encenações que aspiram gerar formas de consenso e integração de vozes
dissonantes.
As discursividades inerentes aos atos de celebração da
lusofonia podem sempre acabar por alimentar novos mitos a partir dos velhos
fantasmas e fantasias que outrora povoaram e colonizaram (e que ainda
colonizam) o imaginário português.
Por isso, mesmo de forma lúdica, através dos jogos ou das
celebrações das semanas da lusofonia, o mito de uma comunidade lusófona homogênea
pode ser alimentado sempre que as formas discursivas da sua celebração inventam
e convocam para uma adesão emocional (irrefletida) de identificação de todos,
com base no sentido alucinatório de um sentimento de reconhecimento partilhado
e consensual.
Mesmo quando reconhecemos que estes contextos de identificação
emocional ou sentimental não podem ser desligados também das formas subjetivas
que os diferentes sujeitos experienciam na descoberta e simultânea redescoberta
que um encontro casual poderá proporcionar relativamente às possibilidades de
se comunicarem, não podemos perder de vista os limites sempre questionáveis
sobre a representação homogênea de uma suposta identidade lusófona.
Por isso, com todos os afetos que ela convoca, o discurso
sobre a lusofonia não pode ser subsidiário do mito da cordialidade e muito
menos do pretenso “excepcionalismo” que se imagina ter caracterizado a relação
de Portugal com os povos por ele colonizados e que, em determinadas retóricas,
ganham formas discursivas saudosistas sob a forma de “encontro de culturas”,
tentando assim alimentar um pretenso sentido de afetividade entre os povos do
universo lusófono.
Neste sentido, deve-se olhar criticamente para a forma como
“os mitos do Império – reproduzidos, recriados e manipulados até à exaustão –
ocultam (hoje e ontem) a imensa diversidade dos jogos de identificação dos
povos que se inscrevem nas margens da lusofonia”.
Daí se impõe certa vigilância na exorcização dos velhos mitos
em benefício do reconhecimento de um discurso renovado que não descarte o
trabalho de problematizar o passado, a história e os conteúdos com que são
insufladas as diferentes memórias dos diferentes países inseridos na geografia
do mundo lusófono.
O sonho de uma comunidade lusófona sempre esteve ligado à
necessidade de afirmação de uma unidade que a partir de Portugal e do Brasil se
tornava extensível aos outros países da esfera lusófona por força das
“afinidades de sentimento e de cultura que iriam sobrepor-se às questões de
soberania”.
A ênfase posta na afetividade e na pertença a algo que é
comum constitui um dos grandes artifícios da imaginação da própria ideia de
comunidade de pertença. Se por um lado ela existe por se reconhecer na língua
as possibilidades de comunicação (no sentido amplo que a noção de comunicação
implica), por outro não podemos descartar a forma como este sentimento não se
revela de forma unívoca entre os membros da sonhada comunidade.
Talvez um dos mitos contemporâneos da lusofonia (e que com
ela arrasta outros mitos antigos) seja a ideia segundo a qual a persistência
das antigas afinidades de sentimento e de cultura conseguem ultrapassar as
questões de soberania.
Em última análise, fica sempre a interrogação:
- em que medida a tentativa de consolidação política da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) se revela real a ponto da
persistência das afinidades de sentimentos e de cultura se sobreporem a
questões de soberania?
Não podemos recusar a análise da história e das formas
discursivas que os usos da memória implicam no domínio desta temática.
Por isso, a tão propalada ideia de uma “história comum”,
“sentimento comum”, “memória partilhada”, “afinidades de cultura”, etc., não
deve passar à margem de uma problematização crítica, tendo em conta as formas
desiguais de apropriação, de recordação/celebração/rememoração, como também os
esquecimentos de alguns conteúdos dessa mesma história que se diz comum.
Devemos ter sempre em atenção que a aparente positividade
subjacente à ideia de uma “história comum” simplifica e redundam as relações
desiguais que sempre marcaram os contextos de superioridade hegemônica do
colonizador e de inferioridade subalterna imputada ao colonizado.
Contudo, não deixa de ser curiosa a forma como, em nome da
retórica de uma “história comum” ou de afinidades de sentimento e de cultura, o
antigo colonizado se torna discursivamente representado como o interlocutor direto
e supostamente igual de uma relação outrora desigual em todas as suas
modalidades práticas e simbólicas.
Daí, se impor novamente a pergunta:
- o que é que caracteriza esta “história comum” senão as
memórias das formas desiguais de relações de poder e das violências reais e
simbólicas inerentes aos contextos de dominação/colonização?
Não restam dúvidas que esta questão, em certa medida,
condiciona e influencia a forma como os diferentes interlocutores do espaço
lusófono incorporam a representação e a imagem da lusofonia como parte
integrante da própria identidade nacional dos seus países.
Por exemplo, nos Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa (PALOP), este fato pode ser diagnosticado através da pertinência
quotidiana, simbólica e identitária das línguas nacionais em relação ao lugar
oficial do português como “língua de unidade nacional”, mas “não a que confere
uma «unidade»”, uma vez que “o português é aí, tão somente, uma das línguas
existentes”.
Ou seja, tal é o limite da deficiente incorporação e assunção
plena da ideia de uma identidade lusófona comum, em detrimento da força que as
memórias e as narrativas pós-independência de cada um dos países lusófonos
exercem na cristalização dos mitos que dão sentido às suas próprias identidades
e representações nacionais.
Este fato, para além de atestar a problemática da
sobreposição das memórias e dos lugares (cimeiros ou subalternos) que
determinadas referências ocupam nas narrativas identitárias, comprova também o
diferente investimento que a representação e a incorporação identitária da
língua ganha em função dos países e, inclusive, entre os diferentes grupos
sociais ou grupos étnicos de um mesmo país.
Tal como assegura criticamente Eduardo Lourenço , “nenhum dos
povos lusófonos se sente empenhado, como nós [portugueses], na visão que a
lusofonia induz e, muito menos, nos fantasmas não muito antigos que a
assimilavam à esfera lusíada”.
Aliás, não podemos perder de vista a forma como a
representação da lusofonia também se entrecruza com outras memórias
susceptíveis de articular uma história comum vista sob o ponto de vista da
resistência anticolonial.
Por isso, embora não tendo atualmente a mesma força com que
se revelou no contexto colonial, não podemos desconsiderar a importância da
memória da resistência anticolonial como uma referência a partir da qual as
então colônias africanas se reviam e se representavam solidariamente, inclusive
no período pós-independência, na luta contra o colonialismo e na consolidação
das independências.
Sendo assim, tudo indica que “as incidências da história
laboram no sentido de desagregar os «lusófonos»”.
Portanto, quando o discurso celebrador da lusofonia fica pela
simplista ideia da retórica dos afetos, das afinidades de sentimento e de
cultura, inflamando uma adesão emocional de todos, perante a ideia de
representação de uma unidade, fica sempre por clarificar aquilo que esta mesma
retórica esconde e distorce nesta criteriosa seleção dos discursos dos afetos
convocados por referência à recordação daquilo que se considera memorável e
subsequente esquecimento de conteúdos não dignos de rememoração.
Perante a pluralidade das memórias e histórias de cada um dos
países lusófonos, a uniformidade e a direcionalidade do discurso da lusofonia
dissimula uma parte substancial das conflitualidades inerentes à temporalidade
das relações asseguradas pela hegemonia colonial.
Sendo assim, quando a dualidade rememoração/esquecimento fica
pela convocação simplista dos afetos como sinal de ausência de conflitos, a
lusofonia permanece sempre imune a uma problematização dos conteúdos que lhe
dão um sentido exclusivamente celebratório.
Por isso, torna-se necessária a “superação definitiva das
clássicas ideologias”, de modo que o passado possa ser trabalhado de forma mais
problematizante e menos celebradora, uma vez que “cada ato de recordação
constitui, no essencial, um refinado ensaio de esquecimento dos «atos de violência»
material e simbólicas inquestionavelmente, envolvidos no «modo português de
estar no mundo»”.
Assim, mais do que tentar validar a ideia de partilha de um
sentimento comum entre os portugueses e aqueles que formaram objeto da sua
expansão colonial, deve-se sobretudo contextualizar as histórias e as memórias
a partir das quais os diferentes países lusófonos reescrevem as suas narrativas
coloniais e estabelecem as suas representações identitárias nacionais e
nacionalistas pós-coloniais.
O discurso da lusofonia não deve cingir-se à seleção e
celebração seletiva do passado e da história, mas deve passar também pelo
reconhecimento das diferentes memórias e das diferentes formas de percepções de
uma história (que se diz comum/partilhada), mas que ganha versões e olhares
diferenciados de acordo com o ponto lusófono a partir do qual se lança o olhar.
Possivelmente, este reconhecimento poderá facilitar a
exorcização de alguns mitos e fantasmas que ainda hoje animam a narrativa hegemônica
da própria lusofonia e retarda o próprio processo catártico das memórias onde
se alojam estes mitos.
Neste caso, “interessa lidar com subjetividades e
particularidades, contextualizando de onde vêm estas relações, e não com abstratos
conjuntos de países que, além da língua e de episódios históricos, não se
revêem necessariamente nesse bonito retrato de família” que faz da lusofonia
uma espécie de casa mítica comum.
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